A humanidade vive um momento singular em sua história. Vivemos em uma época em que, apesar da hiperconexão que experimentamos todos os dias, a desconexão prevalece. Estamos desconectados de nós mesmos e do que sentimos, daqueles que nos cercam, do mundo que habitamos e dos seres vivos com quem compartilhamos este planeta..
Apesar disso, é possível recuperar aquela conexão perdida e, muitas vezes, a resposta está mais próxima do que podemos imaginar.
A história do pensamento e das filosofias humanas, na sua vastidão, oferece espaços de onde é possível extrair a sabedoria para alcançar modos de vida mais generosos e conscientes. Na procura de uma harmonia integral, vale a pena ouvir não só as vozes contemporâneas, mas também as do pensamento clássico do nosso passado. Um exemplo perfeito disso é o antigo conceito de anima mundi: a alma do mundo.
Anima mundi é um conceito antigo e complexo. É reproduzido de várias maneiras em muitas filosofias antigas. Sugere a existência de uma alma do mundo – um espírito etéreo abrigado na natureza e encarregado de manter a vida em movimento. É uma substância inefável que nos une a tudo o mais no mundo e ao próprio mundo.
Os Diálogos Platônicos
O conceito de anima mundi pode ser rastreado através de escolas e épocas. A maioria dos especialistas considera Platão um de seus primeiros expoentes (tanto quanto sabemos). Em um de seus Diálogos, o filósofo apresenta uma passagem em que explica a origem de um espírito intangível, capaz de regular a vida de todo o universo.
Para Platão, o mundo passou a existir após uma era de desordem e caos. Antes disso, o planeta era uma grande massa na qual todos os elementos da Terra estavam misturados e em constante movimento. Então “o grande pai” colocou tudo em ordem. Primeiro, ele trouxe fogo e terra para criar um equilíbrio. Ele então enviou ar e água para gerar proporções. Por fim, ele deu uma alma ao mundo e o transformou em um ser vivo único, uma mistura invisível que une o material e o imaterial. É uma combinação de múltiplas partes (similares e diferentes) e gera um todo autônomo e inteligente.
A anima mundi e a Grécia antiga
Na antiguidade grega, acreditava-se que um deus criador colocou uma grande alma do mundo no centro de tudo e depois a espalhou em todas as direções. Isso fez com que todos os seres e coisas dentro desta realidade compartilhassem uma essência. De acordo com esse pensamento, a alma é poderosa. Tem a capacidade de viajar do centro do corpo para todas as suas extremidades para fazer tudo de um espírito único. Desta alma tudo o mais surge. É o caminho para alcançar o verdadeiro conhecimento.
Amor pela natureza
Para Platão, a vida é eminentemente natural. Natureza significa alma e harmonia. Em outras palavras, nós somos porque a natureza existe. Ao mesmo tempo, a natureza é a alma de todas as coisas, uma entidade real e poderosa.
Para provar isso, Platão faz uma pergunta e depois dá uma resposta: O que aconteceria se os homens vissem pela primeira vez o mundo, ou o mar, e o céu, e a terra? Eles provavelmente julgariam que os deuses existem e tentariam provar sua presença não com sua própria imagem, mas através das coisas.
O conhecimento do mundo nunca deve esquecer a inteligência do coração.
Anatta (Budismo)
Um dos grandes ensinamentos do budismo está na concepção da impermanência. É uma consciência absoluta de que tudo flui e nada fica parado. Na concepção budista, a contribuição para o complexo conceito de anima mundi está relacionada à mudança como modo de vida e realidade. Existe uma alma, mas ela não permanece estática. Ele se transforma constantemente, assim como o corpo e o pensamento.
Compreender a transmutação da alma e o desapego do ego (ou seja, a preponderância do “eu”) é fundamental para a passagem pelos outros dois estados da existência: sofrimento e mudança permanente. A aceitação dessa transformação constante como a natureza definitiva de tudo no universo (incluindo a humanidade e a Terra) é uma forma de nos unirmos, justamente, com tudo o que às vezes percebemos como diferente ou externo a nós mesmos.
Anima mundi em profundidade
Uma das escritoras mais próximas do pensamento de Carl Jung, Helen Luke argumentou que a alma é como uma mulher parada nas margens de um rio tentando encontrar uma voz interior para aconselhá-la sobre o caminho a seguir. Eventualmente, ela percebe que “a sabedoria só pode ser encontrada nas profundezas, nunca na superfície, arriscando erros e confiando na natureza como viva”. Assim, no pensamento psicanalítico, a alma do mundo é colocada como um espelho que nos permite ver a nós mesmos através da mera aparência exterior.
Referência
La Vaca Independiente
https://lavacaindependiente.com/en/anima-mundi-the-soul-of-the-world/