Por José Graziano da Silva | Novembro de 2022
Na Direção-Geral da FAO, procurei enfatizar uma mensagem para o que creio ser o caminho um dos principais desafios para o desenvolvimento sustentável: para produzir alimentos saudáveis e garantir dietas saudáveis para todos, precisamos começar com solos saudáveis, sementes saudáveis e práticas agrícolas sustentáveis.
Os desafios, na ocasião em que conclui meu segundo mandato em julho de 2019, já eram claros: as mudanças climáticas estavam no centro do aumento da insegurança alimentar e nutricional ao redor do mundo, junto aos conflitos e as crises econômicas – pelo menos desde 2015, quando a FAO começou a registrar tal crescimento em seus relatórios anuais.
Por esta razão, levamos à COP21, em Paris, a narrativa de que a agricultura não mais poderia ser considerada uma vilã do meio ambiente, mas, sim, uma solução, desde que utilize práticas sustentáveis.
Na COP23, em 2017, logramos avançar com a iniciativa Koronivia para a Agricultura, que reconheceu o potencial da agricultura no combate às mudanças climáticas, dado a sua capacidade única entre os setores produtivos de sequestrar carbono. Foram então relacionados como tópicos prioritários o manejo sustentável dos solos; uso de nutrientes e da água; pecuária; métodos para avaliar a adaptação e as dimensões socioeconômicas e de segurança alimentar das mudanças climáticas nos setores agrícolas.
E agora, na COP27 no Egito, a Organização Mundial da Saúde propõe a extensão da iniciativa Koronivia para incorporar não apenas a agricultura, mas todos os sistemas alimentares vinculando-os de maneira permanente à questão climática.
Mas como? Promover a agricultura sustentável e o desenvolvimento rural são passos fundamentais para isso. Fome, miséria e pobreza não combinam com preservação ambiental – muito menos a ganância que permite o desmatamento ilegal de florestas naturais e o garimpo em áreas preservadas da Amazônia como bem disse o presidente Lula no seu discurso na COP27.
Setores agrícolas mais sustentáveis, produtivos e resilientes podem proporcionar o tipo de mudança transformadora de que precisamos com tanta urgência e assegurar a produção de alimentos saudáveis para todos.
Para tanto, uma mudança de paradigma nas ações coletivas – de governos, do setor privado, da sociedade civil – é fundamental. Pelo menos três aspectos merecem prioridade.
Primeiro, é aumentar a renda e a segurança alimentar entre os mais vulneráveis com programas amplos de proteção social, de maneira a colocar definitivamente os pobres no orçamento. Temos outros exemplos de sucesso no Brasil e que inspiraram outros países a adotar o mesmo caminho, como a política de compras públicas de produtos da agricultura familiar para abastecer os programas de alimentação escolar. Aqui, todos ganham: os pequenos produtores que garantem a renda pela venda de sua produção e as crianças, que asseguram uma alimentação de qualidade e saudável nas escolas.
Segundo, capacitar os mais pobres com técnicas melhores e mais eficientes. A provisão de recursos mínimos para fornecer aos pequenos agricultores ferramentas mais simples, como sementes resistentes à seca e a conectividade com a internet, é ação crucial para uma agricultura climaticamente responsável. O programa Fomento Produtivo que minguou nos últimos anos por falta de apoio federal mostrou o potencial que tem a agricultura familiar para produzir alimentos saudáveis de forma sustentável mesmo nas regiões semi-áridas do sertão nordestino.
E, terceiro, apoiar financeiramente os países em desenvolvimento nesse caminho para o desenvolvimento resiliente ao clima. É crucial, por exemplo, que as instituições multilaterais e as agências internacionais de cooperação financiem as nações menos desenvolvidas para formularem projetos para os fundos climáticos. Foi o que fizemos na FAO quando formulamos projetos para o Fundo Verde para o Clima a pedido de países da África e da América Latina. Em 2018, durante minha gestão, a FAO obteve seu primeiro projeto aprovado por este fundo (US $90 milhões) para o Paraguai visando o combate à mudança climática, à pobreza e à fome nas áreas rurais.
Ecoando as palavras do Presidente Lula, em meio aos atuais desafios da segurança alimentar global, agravados pelos impactos da COVID-2019 e pela guerra na Ucrânia, faz-se premente a criação de uma Aliança Global para a Segurança Alimentar ainda mais nesse momento em que o mundo ameaça entrar em recessão econômica . E em tempos de crise do financiamento ao desenvolvimento pelo sistema multilateral, a participação do setor privado não mais se enseja de maneira desejosa, mas é hoje crucial para o êxito desta futura Aliança.
Neste sentido, conseguimos também alcançar, na FAO, alguns acordos com pequenas, médias e grandes empresas, comprometidas com o desenvolvimento sustentável e com os princípios regentes da Organização. Instituições de várias naturezas, como grandes companhias nos setores de móveis, de telefonia, de cartões de crédito e de finanças, estiveram entre estas parceiras.
Não é possível mais tolerar um mundo no qual milhões e milhões ainda não são capazes de assegurar o mínimo necessário à subsistência .
Não é possível construir um Fome Zero Global sem sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis. Mas para isso precisamos da participação de todos os segmentos da sociedade para enfrentar de maneira definitiva os desafios das mudanças do clima que mais e mais estão presentes na realidade de todos nós.
José Graziano da Silva é agrônomo de formação, doutor em economia e professor titular aposentado do Instituto de Economia da Unicamp. Coordenou a formulação e implementação do Programa Fome Zero no Brasil enquanto Ministro Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome, no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva e, de 2012 a 2019, ocupou o cargo de diretor-geral da Organização das Nações Unidas para alimentação e Agricultura (FAO). Atualmente é Diretor-Geral do Instituto Fome Zero.
Publicado originalmente no Blogue do IFZ
https://ifz.org.br/2022/11/30/fome-e-mudancas-climaticas-o-que-pode-vir-depois-da-cop27/