Por Regina Galvão na SP-Arte | 04/09/2019
A tapeçaria artística no Brasil ganhou relevância a partir dos anos 1950, em um período em que as obras têxteis do francês Jean Lurçat (1982-1966) faziam sucesso internacional. Lurçat despertou o interesse de vários artistas pelo mundo ao propor, por meio de seus trabalhos, uma renovação dessa arte e, dentre eles, estava o também francês Jacques Douchez (1921-2012), radicado em nosso país desde 1947.
Inicialmente planas, as tapeçarias de Douchez surpreendiam ao refletir o conceito do abstracionismo geométrico, corrente adotada por ele ao integrar o Atelier Abstração, do mestre Samson Flexor. Em 1959, o francês inaugurou com Norberto Nicola (1930-2007) o Atelier Douchez-Nicola, centro de produção que deu outra dimensão ao trabalho de tapeçaria no Brasil. Embora a sociedade entre ambos tenha durado até os anos 1980, eles faziam questão de manter a individualidade de suas criações executadas no tear manual. Nicola gostava de variar na matéria-prima e, além da lã, usava sisal, vime, plumas e pelos de animais. Nos anos 1970, ambos passaram a produzir obras tridimensionais, consideradas verdadeiras esculturas tecidas. A tapeçaria se unia à arquitetura num movimento internacional chamado “Nova Tapeçaria”, revelando nomes como o da iugoslava Jagoda Buic e o da polonesa Magdalena Abakanowicz (1930-2017). As duas romperam com os planos tradicionais das urdiduras, influenciando os tapeceiros da época.
Outro expoente desse universo foi o baiano Genaro de Carvalho (1926-1971), considerado o primeiro artista da tapeçaria moderna no Brasil. Em 1955, fundou o primeiro ateliê dessa técnica, em Salvador. Iniciou a vida artística como pintor e se apaixonou pela arte têxtil durante estudos na França. Criou obras figurativas de diversos tamanhos e temas – principalmente sobre a flora e a fauna brasileiras – permeadas pela exuberância cromática dos trópicos, expostas aqui e no exterior.
Em 1965, Genaro integrou a II Bienal Internacional de Tapeçaria, realizada na Suíça, e, dois anos depois, participou do documentário “Genaro e a Tapeçaria Brasileira”, produzido para a TV pelo governo norte-americano. Foi responsável por capacitar sua própria mão de obra, formada por mais de 120 tecelãs que anteriormente se dedicavam à renda e às tramas das redes de dormir. Tinha o costume de orientar a equipe com base em cartões desenhados por ele.
Outros renomados artistas também experimentaram esse suporte, orientando e autorizando tecelagens e bordadeiras a executarem suas obras. Foi o caso de Di Cavalcanti (1897-1976), Alfredo Volpi (1896-1988), Burle Marx (1909-1994), Francisco Brennand e Jean Gillon (1919-2007). Esse último montou um pequeno ateliê em Embu, no interior de São Paulo, e chegou a produzir também algumas peças em Aubusson, na França.
“Depois dos anos 1980, a arte têxtil ficou esquecida no Brasil. Estamos resgatando, desde 2009, a memória da tapeçaria artística, pouco conhecida atualmente”, diz Graça Bueno, diretora da Passado Composto do Século XX, principal galeria do país especializada no tema. Dos artistas redescobertos por ela, está o pintor carioca Rubem Dario (1941-1978). Suas conceituadas pinturas viraram tapeçaria pelas mãos das artesãs da Penitenciária de Bangu, no Rio de Janeiro.
Nessa arte, outros nomes a serem destacados são o do mineiro Edmar de Almeida, que trabalhou com Lina Bo Bardi, e o de Eva Soban. A artista plástica e designer têxtil entrelaça fios de fibra desde os anos 1970, criando formas esculturais. Participou de várias exposições no Brasil e no exterior. Em 2016, no Museu Afro, em São Paulo, apresentou “Floresta Negra” e, em 2020, se prepara para outra individual, dessa vez, no Museu de Arte Sacra.
Com longa trajetória, Eva ocupa hoje a cena nacional contemporânea ao lado de jovens artistas com forte expressões têxteis, caso de Renato Dib, Lidia Lisboa e Alexandre Heberte, que produzem as próprias obras em casa ou em pequenos ateliês. “Vejo a arte têxtil renascer no Brasil e no mundo de forma revigorada, vinculada à arquitetura e sem pré-conceitos”, diz o curador Antonio Carlos Abdalla, especialista no assunto. “Os movimentos são cíclicos e, com o passar do tempo, os conceitos vão se ampliando. Hoje não vejo mais a separação, que já existiu com relação às artes plásticas, de a arte têxtil ser considerada arte menor ou vinculada ao decorativo. No meu conceito, aliás, a obra de arte no contexto da casa é sempre decorativa”, considera ele.
Representante da nova geração, Renato Dib explica essa retomada com a atual valorização do feito à mão. “Vejo a questão afetiva como um fator importante para essa redescoberta. Num mundo tão duro e rígido, a tapeçaria remete ao conforto, ao aconchego materno, à vontade de se envolver numa superfície macia. São fortes cargas emocionais que acabam tornando esses trabalhos desejáveis”, avalia. Perguntado sobre a fronteira entre a arte e o design, Renato afirma que esse é um diálogo que sempre existiu entre as duas vertentes, mas o mercado insiste em separar. “No fundo, o importante é o que toca, o que emociona e encanta. Se é arte ou design? Tanto faz.” A colecionadora Maythe Birman confessa que foram laços afetivos que despertaram seu desejo de colecionar arte têxtil. “Minha avó tinha talento para artes manuais e a tapeçaria esteve sempre presente na minha infância. A primeira que eu adquiri foi uma enorme peça de Jean Gillon em tons de verde. Ela me remete à natureza. Depois dessa, vieram outras. Cada uma delas tem seu espaço na minha casa, são obras fortes, coloridas, que trazem boas memórias.”
Publicado originalmente na SP-Arte
https://www.sp-arte.com/editorial/formas-tecidas/
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