Por VIC no Blogue da ARTSOUL | 18/08/2021
Tapeçarias são técnicas têxteis que podem ser produzidas a partir de diferentes intervenções com um tecido como, por exemplo, looping, feltragem, esmirna, crochê, entre outras. Elas são transmitidas por gerações através das práticas manuais em ateliês, de mestre para aprendiz, de pais para filhos. Neste texto, serão apresentados alguns momentos marcantes da história da tapeçaria no mundo e suas diferentes expressões ao longo da história da arte.
Linhas históricas
O desenvolvimento das técnicas de tapeçaria ocorreu ao mesmo tempo em diversas regiões do planeta, portanto, é difícil apontar um momento e um local preciso para seu surgimento. Um período relevante para a cultura ocidental ocorreu entre os séculos XIII e XIV na Europa, quando a igreja católica usou a tapeçaria como forma de espalhar as passagens bíblicas. Neste período, os maiores centros produtores de tapeçaria ficavam em Paris e em Flandres.
Nessa época foi produzido o trabalho mais emblemático conservado até hoje: a Tapeçaria do Apocalipse, baseada no livro de São João, O Divino. Trata-se de um conjunto de seis seções com cerca de 24 metros de largura e 6 metros de altura cada, formando uma narrativa de 90 cenas, das quais 71 sobreviveram até o momento. A obra foi encomendada por Luís I, o Duque de Anjou – antiga província francesa -, e projetada por Jean Bondol, um artista flamengo, e começou a ser produzida em 1375, sendo finalizada aproximadamente cinco anos depois.
Da mesma forma que ocorria com as pinturas encomendadas pela igreja e por famílias aristocráticas na Idade Média e no Renascimento, os temas mais comuns eram as passagens bíblicas, alegorias e cenas mitológicas, além de cenas cotidianas de camponeses e nobres. O caráter representativo e narrativo se torna mais evidente a partir das transformações ocorridas na arte durante o Renascimento.
Manufatura dos Gobelins
A França se estabeleceu como referência mundial na produção de tapeçarias especialmente após a criação da Manufatura dos Gobelins, fundada em Paris no século XVII. Sob o reinado de Luís XIV, e com direção do primeiro pintor da corte francesa, Charles Le Brun, a manufatura reuniu diversos tipos de artesãos até então espalhados pela França, antes já incentivados pelo reinado de Henrique IV.
Em sua criação, a manufatura servia às demandas da coroa, confeccionando tapeçarias com narrativas associadas ao rei, ou na reprodução de pinturas famosas. Séculos depois, após ter passado por crises e transformações, a manufatura hoje é sede de um museu, e ainda produz tapeçarias destinadas a prédios públicos, partindo de projetos modernos e contemporâneos.
No século XVIII uma série de cartões de Albert Eckhout – pintor holandês que viveu no Brasil colonial entre os anos de 1637 e 1644 a serviço de Maurício de Nassau – foi transformada em tapeçarias pela Manufatura dos Gobelins, das quais cinco pertencem hoje ao MASP.
Entre linhas: artes visuais, artesanato, design
A tapeçaria, apesar de envolver um elaborado trabalho manual e uma sensibilidade artística, sempre foi incorporada nos ambientes por suas funções práticas, como manter o controle térmico de grandes espaços, por exemplo. Ao mesmo tempo em que a igreja e as aristocracias européias ampliaram o uso dessas peças em suas edificações por questões utilitárias, as tapeçarias também eram exibidas em tom de ostentação, já que se tratavam de trabalhos únicos e caros, devido a forma como eram produzidos. Como a arte em geral, esse tipo de obra era restrito a instituições de grande poder aquisitivo.
As experimentações transformadoras da Bauhaus, já conhecidas em campos como design e arquitetura, também encontraram seu impacto na tapeçaria graças às atividades de mulheres como Gunta Stölzl, importante tecelã alemã. A atuação dessa mestra foi essencial para alavancar a inserção da tapeçaria nas produções industriais através de desenhos mais geométricos. As novas padronagens foram importantes para que as peças se tornassem também mais acessíveis. Outros nomes importantes dessa época são Anni Albers, Marli Ehrman e Trude Guermonprez.
Tapeçaria no Brasil
Entre as décadas de 1950 e 1980 as técnicas de tapeçaria ganharam destaque no circuito de arte nacional. Segundo a curadora Regina Galvão, o sucesso das obras do francês Jean Lurçat nos anos 50 inspirou artistas de todo o mundo a um resgate dessa linguagem. Esse fato demonstra como, séculos depois do seu auge, a França ainda se mostrava um berço de produções têxteis de grande relevância.
Genaro de Carvalho e Kennedy Bahia são as maiores referências dessa linguagem na Bahia – um dos principais pólos da produção de tapeçaria artística no país. Em 1955, Carvalho fundou um ateliê que contava com bordadeiras para produzirem suas peças têxteis a partir dos seus cartões.
Fundado em 1959 pelos artistas Jacques Douchez e Norberto Nicola, o Atelier Douchez-Nicola funcionou até os anos 80, se transformando em um dos mais relevantes espaços de experimentação de arte têxtil no país. Os dois artistas integravam o Ateliê Abstração de Samson Flexor, contato determinante para incentivar suas composições geométricas na tapeçaria, culminando em produções tridimensionais nos anos 70, nas quais os artistas reinventaram uma linguagem usualmente pensada no bidimensional. Esta produção levou à expansão da tapeçaria enquanto objeto escultural, dando origem às “formas-tecidas” de Nicola.
Além do francês Douchez, a tapeçaria possui desdobramentos de outros artistas estrangeiros que fixaram residência aqui, como Concessa Colaço, tecelã nascida em Lisboa em 1929, que se mudou ao Brasil em 1940. Filha de Madeleine e Tomás Colaço, conhecidos por inventarem a técnica de tapeçaria chamada de “ponto brasileiro”. Com uma vasta produção que circula em muitos leilões no Brasil, a artista possui um repertório baseado em natureza morta, padrões florais, paisagens urbanas e cenas do cotidiano.
Diversos artistas conhecidos por trabalhos com a pintura e outras linguagens produziram tapeçarias, como Anna Maria Maiolino e Tomie Ohtake, por exemplo. Um episódio triste ocorreu com a tapeçaria que Ohtake produziu para o auditório do Ibirapuera, quando este sofreu um incêndio em 2013, causando a perda da obra. Uma nova versão baseada na primeira foi produzida e instalada no mesmo lugar em 2017, para a reinauguração.
Na exposição O Fio de Ariadne, que reuniu obras de Iberê Camargo em um salão do Instituto Tomie Ohtake, foi possível conhecer 8 das tapeçarias feitas por Maria Angela Magalhães a partir de cartões pintados pelo artista com guache, que estavam expostos ao lado do trabalho têxtil final. A exposição, ao exibir os cartões de Iberê ao lado das tapeçarias de Maria Angela, demonstrou o complexo trabalho de transcriação de uma mídia para outra, pelo qual a tecelã precisou utilizar diversos materiais e diferentes pontos de tecelagem para se relacionar com as composições expressionistas de Iberê.
Publicado originalmente no ArtSoul
https://blog.artsoul.com.br/tapecaria-na-arte/
Aproveite, visite a Loja da Gotha e conheça nossos tapetes